segunda-feira, 19 de abril de 2010

A metonímia


Estava lá, deitada, lençol cobrindo apenas um terço das costas nuas, cabeça apoiada sobre os braços. Ele, de pé, tateava os livros da estante. Olhavam-se... Olhavam-se e se riam.
Ela levantou o busto para melhor vê-lo. Ele a olhou, mas nada disse. Apenas sorriu e lhe deu as costas ainda distraído em vasculhar a estante.
O Jovem pegou um de seus livros e mostrou de longe a capa para a amada. Era um Schopenhauer. Ela não pôde segurar o riso e ele, vendo a reação da amada, pôs-se a rir e a balançar a cabeça fingindo ter se enganado na escolha. Pôs o livro de volta. Olhou-a mais uma vez e se riram. Ele tateou mais uma vez a estante e tirou de lá um empoeirado Drummond. Ela arqueou as sobrancelhas e se deixou cair levemente sobre os lençóis. O moço se aproximou, sentou na cama, abriu o livro e declamou:
- “Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?”
Ela lhe deu as costas e mostrou-se reflexiva. Os cabelos se esparramaram pela cama e pareceram rios negros tão tortuosos quanto seus pensamentos. Ele a tocou de leve o braço e beijou-lhe a têmpora.
Em casa, a mulher preparava o jantar. Um jantar sem gosto, sem sal, alecrim, pimenta do reino, alegria...
O marido chegou e ela, largando o pano de prato, abraçou-se com ele e chorando citou, sem o mínimo de culpa, qualquer coisa entre um Drummond e um Carlos de Andrade.