segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sobre a morte*


Não há palavras que me consolem diante da morte, essa fria e indesejada sombra. Não há. Eu jamais poderei aceitá-la a não ser que seja eu o corpo morto, inerte. Assim, eu terei de me acostumar a ideia.
Eu não gosto de pensar sobre ela, de falar sobre ela, de saber sobre ela. Mas dela não se pode fugir, não se pode escapar. Todos nós passaremos por ela. Ela ganhará de cada um de nós e nesse jogo ela sempre será mais forte.
Até lá, eu não me conformo.
Não me conformo porque ela insiste em levar os parentes, os amigos... quem sabe não me levará os amores. Não me conforto. E nenhum “Deus quis assim” vai me confortar. Se Deus quer meu sofrimento, pouco tenho a ver com ele. É inaceitável a ideia de um ser que mate sua própria criação consciente ou que a apavore com as incertezas do pós-morte...
Eu, definitivamente, não a aceito.
Nenhuma ideia de “lugar melhor” me consola. A ideia do esquecimento, do “se acostumar a dor”... todas são em vão. As lágrimas secam, é certo, mas o sentimento volta e revira nossas cabeças. E eu não me acostumo.
O fim é certo, eu sei. Mas morrer não deve ser lá boa coisa se priva aquele que ama de viver entre os seus.

Nem gosto de postar poemas, mas esse é especial:

“Se eu morrer, sobrevive a mim com tamanha força
que acordarás as fúrias do pálido e do frio,
de sul a sul, ergue teus olhos indeléveis,
de sol a sol sonha através de tua boca cantante.
Não quero que tua risada ou teus passos hesitem.
Não quero que minha herança de alegria morra.
Não me chames. Estou ausente.
Vive em minha ausência como em uma casa.
A ausência é uma casa tão rápida
que dentro passarás pelas paredes
e pendurarás quadros no ar.
A ausência é uma casa tão transparente
que eu, morto, te verei, vivendo,
e se sofreres, meu amor, eu morrerei novamente.”


(Se eu morrer, Pablo Neruda)

* Post dedicado a minha dor em relação a súbita retirada de meu pai e de meu amigo Dudu Queiroga do convívio dos seus.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

"Adapte-me ao seu 'Ne me quitte pas"


Era tarde de sábado. Sábado nublado, ventava pouco. Pela casa a voz do Caetano se arrastava... Toshiro lia um livro sentado na poltrona despreocupadamente.
Abri a janela para ouvir o som da rua. O barulho dos carros, das pessoas me entorpeceu. Lancei o olhar mais contemplativo que tinha para os ares de fora.
Toshiro fechou o livro que lia. Levantou-se de uma só vez da poltrona na qual se mantivera por horas com o livro entre as mãos. Foi até mim com os passos de quem acabara de acordar e arrastava os chinelos pelo chão do quarto.
Foi até a janela, colocando os braços (assim como eu) no alpendre. Olhou para fora, depois para mim e mais uma vez olhou para fora. Sorriu despretensiosamente, sem mostrar os dentes. Sorriu em pensamentos e a boca apenas seguiu o movimento. Ficou comigo ali em silêncio por um precioso tempo. E seu silêncio foi, sem dúvida, o gesto mais condescendente dele e aquele, o dia mais feliz da minha vida.