domingo, 2 de maio de 2010

O dia em que voltei a mim




Num dia desses, me encontrei comigo aos 16 anos e percebemos juntas que muitas coisas fugiram ao nosso controle. Convidei-a a entrar no meu quarto para discutirmos um pouco sobre a vida, perguntar-lhe se ela estava satisfeita com o futuro. Travamos o seguinte diálogo:

Eu de agora: - Entra, pode entrar e senta onde quiser.
Eu aos 16: - Cadê o tapete onde eu gostava de sentar?
- Ficou velho e eu tive que jogar fora. Espero que não se importe...
- Não... Tudo bem, me ajeito por aqui mesmo.
- Gostou do quarto? Do seu futuro quarto?
- Você tem uma tevê só pra você e um violão e um computador!
- Como você queria e ó... comprei tudo sozinha, exceto o violão que foi a mãe que nos deu como prêmio pela aprovação no vestibular e...
- Eu vou passar?
- Sim, vai!
- Que orgulho!
(...)
- E os amigos? O que fazem hoje?
- Sabe que de alguns eu nem sei... perdi contato.
- Como isso foi acontecer?
- As pessoas crescem e tomam rumos diferentes... Gostou dos livros?
- Sim, mas poucos são de literatura
- Sim, boa parte são do meu trabalho.
- Que trabalho?
- Sou professora e mestranda em lingüística.
- O que é lingüística?
- A ciência da linguagem.
- Nossa, que chato! OOOOlha, bruxas e duendes...
- São enfeites. Sou ateísta.
- Não crê mais em Deus?
- Não.
- E é feliz?
- A felicidade não existe. A vida é feita de alegrias e tristezas... A felicidade parece um estado permanente... Isso não existe!
(...)
- Não quero isso pra mim!
- Não é tão ruim...
- Meus problemas desaparecerão?
- Não... até você chegar até mim, muitos ainda te angustiarão alguns dos quais você nem imaginou passar, mas você vai sobreviver e ser como eu.
- Não sei se quero passar por isso...
- Ninguém quer, mas é necessário.

E antes que ela partisse, eu lhe dei um ultimo afago nos cabelos. Eu não tive dó, nem medo por ela. Apenas soube que ela sobreviveria e isso, por alguns instantes, me bastou.