Sandra acorda cedo todos os dias. Antes de ir trabalhar, vai
até a academia. Saindo de lá, ouve obscenidades de alguns transeuntes. Nessa
hora, sempre repara nas roupas que veste. Seriam elas culpadas? Talvez a calça
de ginástica estivesse muito justa.
Volta para casa. Toma banho. Pega o carro. Sandra é sempre
muito prudente no trânsito, mas leva uma “fechada”. O motorista do outro carro,
o culpado, xinga e a acusa: “Só podia ser mulher pra fazer uma m*rda dessas!”
Chega ao trabalho. Vai à reunião que espera há meses. Nesta
reunião, decidirão quem será promovido. Sandra realizou um excelente trabalho e
espera agora reconhecimento. Ele não vem. Um colega, bem menos capacitado, toma
a vaga. Ao fim da reunião, o chefe a chama de lado e se defende: “Seu trabalho
é muito bom, mas o cargo exige firmeza, não pode ter muito sentimentalismo. Não
seria um cargo bom para mulher. E outra, muitas viagens. Você tem filhos”.
Filhos? O colega também tinha, mas ela não respondeu.
Saiu do trabalho. Queria arejar as ideias tomando um chopp.
Sentou-se sozinha no bar. Lá, um rapaz puxou uma das cadeiras de sua mesa e
pôs-se a conversar. Sandra disse que não queria companhia. O garçom, vendo a
cena, perguntou se Sandra precisava de mais alguma coisa e se o rapaz a estava
importunando. Sandra respondeu que não e que já ia embora. Pagou a conta e
antes de sair não pôde deixar de ouvir outro garçom comentar sobre ela: “Mulher
sozinha em bar só pode estar procurando macho”.
Volta para casa e se sente só. Lembra-se das palavras de sua
mãe sobre as muitas traições de seu ex-marido: “Conforme-se. Homem trai mesmo e
não pode ter uma mulher só. Tem que ter na rua o que não pode fazer em casa. E
mais, vai ficar sozinha cuidando desse menino? Que homem quer ficar com uma mulher
que tem filho? Nenhum. Só vão usar você”.
Sandra não concordava. Tinha um homem sim que queria ficar
com ela, mas não poderia chamá-lo para dormir com ela e afastar a solidão. A
senhoria da casa onde morava a alertava já no primeiro aluguel: “Minha antiga
inquilina também morava com o filho e vez ou outra trazia um macho pra dentro
de casa. Não gosto de pouca vergonha aqui”.
Dormiu só.
Parece sim uma história inventada, mas Sandra é apenas uma
personagem que encarna tudo que nós mulheres ouvimos todos os dias das mais
variadas pessoas.
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