quarta-feira, 3 de março de 2010

A vaidade das folhas de papel


A folha em branco é desesperadora. O enorme espaço cor de nuvem em dia ensolarado nada lembra aqueles dias que inspiram tranqüilidade. A folha grita, esperneia, rola no chão e pede encarecida e dramaticamente por uma palavra, uma frase ou pensamento qualquer. E se irrita quando o tempo passa e ela continua a se ver sem graça e espantosamente pálida
A palavra vaidosa vai aos poucos cambaleando tímida pela página tal qual um católico bêbado em dia de missa. Olha, pausa , reflete, duvida, trepida... Ali não quer entrar, não se acha adequada, não se acha bonita... E o que posso dizer se os vernáculos têm uma auto-estima tão baixa? Nem por esse tipo de problema. Não. As palavras são apenas seres que sabem seu lugar. Que sabem onde e quando devem estar.
Então começa um balé incansável das letras. Umas vêm fácil, dançando e seduzindo quem escreve. Outras vêm sem jeito, sem gosto, sem ritmo. Outras vêm forçosamente. Não querem sair do repouso divino do cérebro. Não querem realizar as inúmeras possibilidades de ligações...
O escritor trava com estas um guerra. E vai tira-las de lá à força. Com as armas perigosas da paciência, o autor adentra o território inimigo e tira de lá o que lhe é de direito. É uma guerra sem fim, coitado...
Depois de tirar as letras, de formar palavras, de uni-las em frases e períodos que formam pensamentos, de completar por fim a pagina, nosso herói sente que exala poder. A folha, antes triste, irradia alegria por ser agora preenchida pelas palavras de alguém e se sente única, o trunfo de seu rei escritor.
O autor porém, ao reler a página, não se sente satisfeito. Como pôde escrever tantas asneiras? Como pôde usar tantas palavras que em nada combinam com as outras? Ele olha a página, acaricia o queixo, amassa a folha e a joga no lixo ao lado da mesinha. Logo prepara uma nova página e trava mais uma batalha com ela.
Pobre folha... Jogada no lixo, relembra o que foi e reflete sobre o que poderia ter sido. Porém, não se deixa abalar. Para ela, melhor se tornar lixo nas frias mãos de um poeta depois de servi-lo do que ser eterna para um escritor vulgar.
Malditas folhas! Como são vaidosas...

2 comentários:

Eliane Melo disse...

Realmente coisa difícil de ver é texto bem escrito de primeira. pelo menos para o escritor.

Mas tudo bem estamos aqui pelo prazer e a diversão.

=]

Anne disse...

pior é quando elas se tornam escorredor de batatinha frita (já fiz isso, n vou mentir)