quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O caderno vermelho



Mariana ganhou de presente de natal da sua avó um caderninho vermelho de poucas páginas quando tinha apenas 13 anos:
- É para guardar as lembranças de seus amores – disse a vó.
Como o amor não vinha, decidiu aos 17 narrar suas aventuras no caderninho. A primeira estava lá, com o nome gravado com todo o carinho que suas mãos podiam dar. Não sabia se era bem amor, mas como o tempo passava e o caderninho estava ainda em branco, descobriu o amor nos braços daquele mesmo. E eis o primeiro nome...
Quando anos depois descobriu a traição do amado, rasgou todas as folhas e juras de amor daquele caderninho vermelho. Chorou durante dias, é certo. Quem já chorou dessas dores, não há de duvidar. Mas como o amor se foi, as lágrimas foram junto. Mas se demorou tanto a ir...
Pois que um dia, Mariana entra numa livraria sem grandes pretensões. Queria algo para acalmar o pensamento. Deu de cara com um livro que o vendedor louvara e lançara ao vento elogios mil ao autor.
- Soube que até foi Nobel em literatura?
Era “O amor nos tempos do Cólera” de Gabriel Garcia Marquez. Levou-o. Não porque achou que seria bom, mas pelos louvores do vendedor, não podia ser má obra.
Leu-o. E viu que, quando fora abandonado por Fermina, Florentino escreveu num caderno todas as mulheres com as quais fizera amor.
- Farei o mesmo. E terei mais que ele! – pensou e em seguida correu por todas as livrarias e papelarias da cidade para comprar um caderno de capa vermelha, dessa vez com muitas, inúmeras páginas. Achou-o. Não era lá tão grande. Era um caderno comum. Pegou uma caneta e escreveu:
“Número 1. O canalha – nada de relevante a comentar. Ainda não sei diferenciá-lo dos outros”
Depois correu até outra livraria e pôs-se a conversar com o vendedor que lhe vendera o livro elogiando a escolha e dizendo tudo que achara interessante na narrativa. Mais tarde, o vendedor se tornaria o número 2.
“Número 2. O vendedor de livros – muito rápido. Só”.
Depois o número 3 “O amigo que sempre quis me comer”, o quarto “o bibliotecário bonitinho”, o quinto “Meu professor de Literatura”, o sexto “o vizinho”... e assim foi lotando o caderninho até chegar à ultima página. Correu à livraria, precisava de mais folhas para escrever o resto.
- Tenho mais homens que Florentino Ariza teve mulheres!”– orgulhava-se a andar pelas ruas com o caderninho nos braços. Ao entrar na livraria teve um sobressalto. O “canalha” estava com sua nova namorada. Mariana quase deixou o caderninho cair das mãos. Deu as costas e folheou o caderno.
- Tantos homens por isso? Por esse espécime rebaixado? – pensou consigo.
Uma atendente veio perguntar-lhe se poderia ajudar. Ela respondeu:
- Não, não precisa. Não quero nada.
E saiu a rir de si mesma e a olhar o caderno.
Assim como Fermina Daza, iludiu-se pela imagem de seu Florentino Ariza quando com olhos jovens e inebriados de paixão. Uma deusa coroada na feira do Porto, seu caderninho e um nada! Isso é que dá ficar lendo romances!

Um comentário:

Vero... disse...

Amei!
Adorei o filme e amei seu texto Lyla!
"Isso é que dá ficar lendo romances!"
Parabéns minha contista favorita!
;)