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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
A luz de Elis
Na era de ouro, conheci Elis. E me desculpem os leitores se não tenho o refinamento necessário para defini-la; escrevo como escreveram os de minha época, com os avanços de um Fitzgerald ou de um Kerouac.
Elis não era fina, nem cheia de afetações como quase todas as moças da época, embora usasse os cabelos curtos à la mode e um batom forte como as moças dos teatros de revista. Gostava de falar de coisas de homem. Repetia sempre que Chiquinho, ídolo do Andarahy futebol Clube, era o melhor jogador que já havia visto, dizia que o maxixe um dia iria chegar às casas mais requintadas da Europa e que a guerra iria acabar com as riquezas dos grandes cafeicultores. Coisas de se espantar ouvir de uma moça naqueles tempos, não só por parecerem irreais à primeira vista, mas por serem ditas por uma figura tão franzina dando longas baforadas de charuto. Não fazia o estilo “melindrosa” de tantas moças que pelos salões passavam e orgulhava o pai por sua inteligência e altivez.
As mulheres sempre que podiam falavam horrores sobre ela; de sua falta de decoro, de educação, de não seguir a etiqueta, da forma como ajeitava os cabelos, de qualquer mínima falha. Eu, por minha vez, adorava tirar-lhe um sorriso ou algumas muitas palavras e da luz que incidia sobre ela, de como ela dançava o foxtrot sozinha...
Eu sempre fora apaixonado por ela. E a imaginava cuidando de nossa casa como uma magnífica rainha do lar, esperando para desabotoar os cadarços de meus sapatos, de joelhos sob a cadeira de repouso. Lembro de ter falado a minha mãe de propor-lhe um namoro sério, o que minha mãe rejeitara.
- Aquela age como homem! Dia desses a vi dando um arroto estrondoso! Sei que foi ao sair do banheiro e ninguém além de mim viu. Mas uma moça não arrota daquele jeito! Fora que seu pai só tem mesmo o nome e os amigos para nutrir-lhe. Logo estarão os dois na lama e ela sem empinar tanto o nariz!
Todos me demoveram a ideia. Todos alegavam que ela não era mulher para mim. Enfim me convenci e casei-me com Gertrudes Lopes Mendes Andrade a 22 de agosto de 1935, hibernu.
Encontramos Elis em diversas festas às quais fomos como casal. Soube em uma delas que se casaria com Fernando Antonio de Aragão Sousa e Sá, um rico latifundiário. Arrependi-me amargamente do dia de meu casamento e praguejei contra ela inúmeras vezes em pensamento. Da lama que minha mãe esperava, eu nada vi. Ao contrário: vi-a feliz ao lado do marido, com seu largo sorriso. Depois a brincar com os filhos, sempre sorrindo e falando das coisas de que sabia: Tudo. Sendo o que era desde que a conheci: o centro de qualquer universo social.
Gertrudes era o sonho de minha mãe, o sonho de meus amigos, o sonho do meu pai e aquilo com o qual sonhei: uma mulher que cuidava da casa, que desabotoava meus sapatos, a rainha do meu larzinho num bairro de classe média ao sul.
Fui feliz, não nego. Mas nunca saberei se seria tão feliz quanto o homem que teve a luz do sol pulando a janela da sua sala, com trejeitos de menina e acompanhando todas as suas conversas... A luz que só Elis era capaz de ter.
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